Tarde Fantástica by Cristina Carvalho
No horizonte existia a sombra de um rio, porque o mesmo não se conseguia avistar da casa grande, do quintal da casa grande. Da janela da sala apenas se vislumbrava parte do caminho até ao rio. É assim quando os pais espreitam a vida dos filhos, vêm apenas uma parte do caminho e pressentem a sombra de todos os perigos, que começam onde o seu olhar já não alcança.
O rio, que não vemos, é sempre algo de ameaçador. “Há rãs e cobras de água e as libelinhas que até assustam uma pessoa com o seu esvoaçar de ziguezagues e os caniços que o fazem tropeçar e as grandes pedras lisas que o fazem escorregar e os troncos enormes das árvores fora da terra que o fazem cair e as próprias árvores são muito assustadoras!”
A nossa infância é essa luta contra todos os perigos, a descoberta de novos caminhos, o alcançar territórios em que os nossos soldadinhos de chumbo já não nos podem ajudar. E é a amizade. Mundos disjuntos que se tocam em magia, descoberta de rios de conhecimento que deixam de nos ameaçar. “Viu peixes a nadar, peixes a voar, peixes que saltavam, voando fora de água para conversar com ele «são bogas…» e aqueles? «são trutas!»”
Dois grandes amigos, como só a infância o permite, porque só aí nos é consentido crescer contra perigos de papel e soldadinhos de chumbo.
O portão da casa “tinha um batente em forma de mão que apertava uma bola. Era engraçada, essa mão. Tinha que se agarrar nela e com ela bater de encontro ao portão uma, duas, três vezes.”
Este livro é um convite, bata. Bata que o portão se abre a todas as idades, à dos nossos filhos que também já foi a nossa, à idade das histórias de antigamente, tão atuais, como é hoje o nosso encantamento em as (re)ler. Entre no mundo gráfico revivalista criado pelo traço de Miz Lucas e disfrute de uma tarde fantástica.