O universo da escrita de Cristina Carvalho move-se entre o fantástico e o romance de narrativa mais clássica. O conto marca também uma presença assídua, quer para adultos como na sua participação na coletânea Contos Capitais, quer para um público infanto-juvenil como em Tarde Fantástica. Ana de Londres, antes de ser romance, foi publicado como conto.
Dentro do fantástico, Lusco-Fusco é um breviário dos elementais e O Gato de Upsala a descoberta da idade adulta. Agneta e Elvis partem com a ilusão ver o Vasa, o maior navio de guerra até então construído e, quem sabe, subir bordo e conhecer terras distantes. O Vasa afundar-se-á diante dos seus olhos sem lhes levar o sonho de uma vida a dois que então começava. Homem e mulher completando-se como nas histórias mais antigas.
Nos seus romances surge a mulher na idade adulta. Todas as mulheres nascem já adultas, com essas obrigações a espreitarem-lhe a infância e a macerar a adolescência. Acreditam as mães, que poupam desgostos futuros às filhas se as prepararem para o que a sociedade espera delas. Um mundo sem saída. Então subsiste a dor e uma incontida necessidade de revolta ou de partir. Só lhes resta a opção de serem fortes. Não estamos perante uma escrita de militância feminista ou de vitimização. As mulheres são o motor da narrativa, tanto quanto os homens se anulam ou se embrutecem nas suas vidas.
A escrita é acessível, plena de ressonância poética e capaz de libertar doses adequadas de dissimulação contrariando aqueles romances em que se percebem todas as palavras e todas as ideias do princípio ao fim. O deleite de uma escrita inteligente para leitores exigentes.