Os personagens vão-nos surgindo de forma dispersa, envoltos em pequenas histórias, recordando-nos que só a memória lhes confere um enredo. E esse enredo pode ser livro, o Livro.
E o Livro surge-nos quando essas histórias se fundiram umas nas outras em forma de vida, de vidas vividas. A escrita, de José Luís Peixoto, é precisa, por vezes de uma economia divina, de palavras que caiem, que se fossem escritas, estariam inevitavelmente a mais.
“Sobre o balcão, ela rasgava tiras de selos pelo picotado. E parou. Levantou-lhe o olhar. Ele estava a vê-la com esses mesmos olhos e aquilo que aconteceu abalroou o balcão, por detrás, ele a segurar-lhe as ancas.
Saiu tremente, acertou a boina na cabeça, de noite, tinha cinquenta e oito anos e gestos foscos. Acreditou que as pessoas que estavam sentadas às portas eram capazes de lhe farejar o cheiro.”